SANGRIA: O TRATAMENTO MÉDICO MAIS PRATICADO EM TODA HISTÓRIA

Vários milhares de anos atrás, seja você um egípcio com enxaqueca ou um grego ardendo em febre, é provável que seu médico fizesse a sangria, ou seja, removesse pelo menos 2 litros do seu sangue.

Ele poderia abrir uma veia usando uma lanceta de metal ou um pedaço de madeira afiado, fazendo com que seu sangue fosse drenado para fora do corpo.

Em algumas culturas, esse trabalho poderia ser feito por sanguessugas famintas que se alimentariam até que o médico as retirassem da sua pele.

E esse é nosso assunto de hoje: o tratamento médico mais praticado da história: a sangria!

Considerada uma das práticas mais antigas da medicina (com pelo menos 3 mil anos), acredita-se que a sangria tenha se originado no antigo Egito.

É possível que rapidamente tenha sido adotada pela Grécia.

Nesse tempo, os médicos acreditavam que todas as doenças se originavam de um excesso de sangue no organismo. 

Erasístrato, um famoso médico grego do século 3 DC, acreditava no equilíbrio perfeito dos quatro “humores” – sangue, fleuma, bile amarela e bile negra.

Seus escritos e ensinamentos tornaram a sangria uma técnica comum em todo o império romano.

Em pouco tempo passou a ser usada na Índia e no mundo árabe também.

Na Europa medieval, a sangria tornou-se o tratamento padrão para várias condições.

Quem tinha peste, varíola e até epilepsia e gota seria sangrado efetivamente pelo menos a cada dois dias.

Os praticantes normalmente cortavam veias ou artérias no antebraço, ou no pescoço, às vezes usando uma ferramenta especial parecido com uma lâmina.

Em 1163, um decreto da igreja proibiu monges e padres médicos, de realizar sangrias, afirmando que a igreja “abominava” o procedimento.

A ideia foi péssima, pois em resposta a essa ordem da igreja, os barbeiros começaram a oferecer uma gama de serviços médicos.

Os barbeiros que antes cortavam os cabelos e barbas passaram a fazer não somente as sangrias, mas também extrações de dentes, punções e até amputações.

Uma coisa que talvez você não saiba, é que o poste de barbeiro listrado de vermelho que hoje é muito comum nas barbearias modernas,  remete às toalhas manchadas de sangue que ficavam penduradas do lado de fora dos locais onde “cirurgiões-barbeiros” atuavam.

Enquanto os cabeleireiros drenavam o sangue para curar as doenças dos europeus, na América pré-colombiana acreditava-se que a sangria tinha um propósito diferente.

Os sacerdotes e governantes Maias usavam instrumentos de pedra para perfurar suas línguas, lábios, genitais e outras partes moles do corpo, oferecendo seu sangue em sacrifício a seus deuses.

A perda de sangue permitia que os indivíduos entrassem em estados de transe nos quais eles teriam visões de divindades ou de seus ancestrais.

Na verdade, era um delírio causado pela hemorragia e, nessa brincadeira, muita gente morria pela perda de sangue.

A sangria matou gente importante

A sangria como procedimento médico tornou-se um pouco menos agonizante no século 18 com o surgimento das lancetas com mola e do escarificador.

Esse, era um dispositivo com várias lâminas capaz de realizar cortes paralelos uniformes.

Médicos e cirurgiões respeitados exaltavam a prática, prescrevendo-a generosamente a seus pacientes.

Maria Antonieta, por exemplo, parecia se beneficiar de uma dose saudável de sangria ao dar à luz sua primeira filha, Maria Teresa, em 1778.

Dizem que enquanto uma multidão animada lotava seu quarto, esperando testemunhar a chegada de um príncipe, a futura mãe desmaiou.

Rapidamente, o cirurgião empunhou sua lanceta e removeu boa quantidade do sangue da rainha da França.

Maria Antonieta teria acordado após a sangria, talvez porque as janelas foram simultaneamente abertas para deixar entrar ar fresco.

Mas com certeza não teria sido por causa dos litros de sangue retirados do seu corpo.

O primeiro presidente da América teve menos sorte do que a rainha da França.

Em 13 de dezembro de 1799, George Washington acordou com uma forte dor de garganta e começou a declinar rapidamente.

Ele era um grande defensor da sangria, e pediu para ser sangrado no dia seguinte, e os médicos drenaram cerca de 5 a 7 litros em menos de 16 horas.

Apesar dos esforços, George Washington morreu em 14 de dezembro.

Hoje, acredita-se que o presidente tenha morrido pela perda excessiva de sangue, já que ele estava também anêmico na ocasião.

Em 1685, a sangria pode, também, ter sido culpada pela morte de Carlos II da Inglaterra, que teve uma convulsão em consequência de um leve acidente vascular cerebral.

Os médicos rapidamente lancetaram seu braço e o pescoço, drenando grande quantidade de sangue.

A repetição do procedimento nos 10 dias seguintes pode ter impedido o rei de se recuperar e só lhe restou a morte 12 dias depois.

já no Brasil,  temos notícia do uso terapêutico de sangrias desde o século 16.

A prática era realizada na maior parte por negros e escravos alforriados serem identificados como “sangradores”.

No final do século 19, novos tratamentos e tecnologias haviam superado em grande parte a sangria, e estudos de médicos começaram a desacreditar na prática.

Hoje continua a ser uma terapia convencional para um número muito pequeno de condições.

O uso de sanguessugas, experimentou um renascimento nas últimas décadas, particularmente no campo da microcirurgia e na recuperação de feridas crônicas.