“Você é o que você come”; esta pequena frase tem sido usada com frequência para definir a influência direta que a dieta exerce na composição de nossa biomassa, e a importância de uma alimentação saudável. E à medida que cresce o interesse por este assunto, tornam-se mais fervorosos os debates em torno dos possíveis efeitos dos alimentos de origem animal no corpo humano.
O leite, tão presente no nosso cotidiano, é um deles. Diferentemente de outras espécies da classe Mammalia – os mamíferos – nós, humanos, continuamos ingerindo leite mesmo após a fase da lactação. E mesmo não podendo negar os benefícios nutricionais advindos deste hábito, também é certo que ele pode trazer muitos prejuízos à saúde. Convém lembrar que estamos consumindo o leite de uma espécie diferente, e a composição deste varia de acordo com seu propósito. No caso do leite de vaca, o objetivo é, em termos bem simples, dobrar o peso do filhote num período curto de aproximadamente dois meses. Por aí, já podemos imaginar o alto teor de gorduras de todo tipo em sua composição, incluindo as saturadas que são precursoras de diversas doenças em seres humanos, especialmente cardiovasculares.
Entretanto, fazendo uso do mesmo princípio mencionado lá no começo, pesquisadores da USP estão mostrando que este quadro não é fixo. Da mesma forma como nossa biomassa sofre alterações de acordo com nossa dieta, eles testaram e comprovaram mudanças significativas no teor de gordura do leite a partir de mudanças simples na composição da ração oferecida ás vacas leiteiras. A pesquisa durou 21 dias e envolveu três grupos de vacas da raça Holandesa; enquanto um se alimentava de ração comum à base de cereais, os demais consumiam a mesma ração acrescida de proporções diferentes de óleo de canola.
Como sabemos, este óleo de origem vegetal é rico em ômega 3, um ácido graxo insaturado conhecido por suas propriedades redutoras dos níveis de LDL – o “mau colesterol” – no sangue. Assim, a ideia da pesquisa seria de que o aumento da concentração deste ácido graxo na alimentação das vacas resultaria num leite mais saudável. E os resultados comprovaram essa hipótese. No leite das vacas que consumiram a ração com maior proporção de óleo de canola (6%), foi vista uma redução de aproximadamente 20% nos ácidos graxos saturados, e aumentos de aproximadamente 34% de ácidos graxos insaturados e impressionantes 115% na concentração de ômega 3.
Apesar de haver uma leve queda na quantidade de leite produzida pelas vacas alimentadas por ração acrescidas de óleo de canola (o que se deve ao fato de elas consumirem menos quando alimentadas dessa maneira), o resultado é um leite funcional com riscos consideravelmente reduzidos de indução de doenças cardiovasculares. Este tipo de produto já é comercializado em outros países, com a diferença de que o ômega 3 é adicionado ao produto já pronto durante o envase. Já á técnica utilizada pelos pesquisadores brasileiros além de tornar o leite mais favorável do ponto de vista nutricional – o ômega 3 seria melhor absorvido quando adicionado de forma natural – , também seria mais econômica para o consumidor final.
Agora, o próximo passo da pesquisa é testar os efeitos reais deste leite no organismo. Para isso, ele será utilizado na dieta de porcos, cujo metabolismo é bem parecido com o de humanos. No entanto, pode demorar um pouco ainda para que este produto chegue às prateleiras dos supermercados. Pelo menos, o tempo que levar para que a indústria demonstre interesse suficiente, tornando possível a produção em larga escala, o que por enquanto ainda não ocorre. De qualquer forma, os resultados da pesquisa já servem para uma boa reflexão sobre a extensão de alcance dos efeitos gerados pelo tratamento que damos às outras espécies, nos alimentemos delas ou não. Você é o que você consome. E os nossos alimentos – vegetais ou animais – também.
Fontes: fapesp/ megaagro Imagens: Reprodução/ empreendedorrural/ portalrhema