Canadense desaparecido recupera a memória após 30 anos de amnésia

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– Quero me operar. Quero que o senhor tire um pedaço do meu cérebro.

– Um pedaço do cérebro? Por que vou tirar um pedaço do seu cérebro?

(…)

– Quero eliminar a minha memória (…) Não quero mais lembrar de nada.*

O trecho acima foi retirado de uma obra de ficção, mas qualquer semelhança com fatos reais NÃO é mera coincidência. Afinal, quem nunca desejou apagar uma lembrança?  E acredite: já tem gente fazendo isso sem retirar um único pedacinho do cérebro.

O canadense Edgar Latulip passou 30 anos sem sequer lembrar-se que esse era o seu nome. Vivendo uma outra vida, em outro lugar, com outra identidade.  Subitamente, aos 51 anos, começou a sofrer flashbacks, lembrando-se de pequenos fragmentos de uma outra época. Ao recordar-se do seu sobrenome, comentou o assunto com uma assistente social que imediatamente pesquisou os registros de pessoas desaparecidas. E pasmem: Edgar Latulip estava desaparecido desde 1986, quando, até o que se sabe, teria fugido de uma clínica psiquiátrica aos 21 anos de idade.

Segundo o neuropsicólogo Jason Brandt, esse tipo global de amnésia é extremamente raro. Isso porque a maior parte dos casos de perda de memória, além de serem ocasionados por alterações físicas na massa encefálica por conta de batidas na cabeça ou intervenções cirúrgicas por exemplo, não chegam a provocar essa perda total de lembranças. Em regra, o indivíduo sofre de uma amnésia classificada como “anterógrada”, ou seja, do momento do trauma para a frente. Dessa forma, a pessoa passa a sofrer extrema dificuldade para formar novas memórias, mas não chega nem perto de esquecer quem é.

Já o caso de Latulip, segundo os dados levam a crer, trata-se de um distúrbio mais psicológico do que neurológico em si, clinicamente denominado fuga dissociativa, ou simplesmente estado de fuga. “Trata-se de pessoas sem quaisquer disfunções cerebrais, mas que estão fugindo de experiências demasiadamente dolorosas. (…) Então, esquecem de quem são, abandonam o lar, viajam e adotam uma nova personalidade e identidade” explica Brandt.

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O site de pessoas desaparecidas divulgou essa imagem mostrando como Edgar Latulip seria há 30 anos. O objetivo é encontrar sua família!

E de fato, parece que “demasiadamente dolorosa” é pouco para descrever a vida anterior de Latulip. Somente o seu registro como fugitivo de um sanatório já é revelador por si só. Mas o repertório desse drama não para por aí.  Pelo que consta até o momento, Latulip vivia um relacionamento no mínimo conturbado com o pai, chegando, inclusive, a algumas tentativas de suicídio antes de seu desaparecimento. Pois é…ao que parece, a perda de memória representou apenas a cartada final de alguém que há muito tentava fugir de sua própria vida.

*Trecho retirado da crônica “O Homem Que Queria Eliminar A Memória”, de Ignácio de Loyola Brandão.

Fontes: livescience/ leandroteles/telegraph  Imagens: Reprodução/telegraph/ bbc