Pesquisadores brasileiros descobrem como o zika virus mata as células neurais

1665

Que o desenvolvimento de microcefalia fetal tem uma estrita relação com a infecção pelo vírus Zika, disso ninguém mais duvida. Já está comprovado que as células progenitoras neurais, aquelas que se diferenciam em neurônios no desenvolvimento embrionário, são as que mais sofrem com o ataque do vírus. Entretanto, como isso acontecia é que ainda era uma incógnita. Você leu bem. Era.

Numa técnica que simula com a máxima precisão o ambiente celular in vivo, pesquisadores brasileiros puderam observar, passo a passo, como o ciclo celular é afetado após a infecção. Para isso, foi feita a análise diária do material proteico celular, bem como da maneira como os genes se expressam nas células infectadas, em comparação com células saudáveis. E acredite: foram necessários apenas 12 dias de observação. Este foi o tempo que levou para que restassem apenas vestígios das células infectadas no meio de cultura, uma pequena mostra do efeito devastador do vírus e da rapidez com a qual ele atua na célula.

Segundo a pós-doutoranda do Laboratório de Neuroproteômica do Instituto de Biologia da Unicamp, isso ocorre devido ao modus operandi do vírus. Basicamente, sua ação consiste em tornar instável a expressão dos genes em proteínas, que passa a ocorrer de forma irregular, sem qualquer padrão. Exemplo disso ficou claro ao se analisar as células já no 3º dia após a infecção. Nada menos que 458 proteínas estavam alteradas, sendo que 199 delas apareciam a menos e 259 a mais. Também notou-se a presença significativa de moléculas reparadoras de DNA, o que denuncia que a célula já tinha “percebido” o erro e empenhava esforços para recuperar-se.

Desnecessário dizer que tais irregularidades exercem grande impacto na continuidade do ciclo celular. A questão é simples: a célula não vai dar seguimento a uma história que já começou errada. Para você ter uma ideia, a esta altura do campeonato a diferença no crescimento entre células infectadas e células saudáveis já chegava a 40%, o que revela uma ruptura no ciclo celular no primeiro grupo. “Os resultados indicam que o ciclo celular foi interrompido ainda muito no início, antes que a célula começasse a duplicar seu material genético”, explica Juliana.

Em vermelho, células-tronco neurais infectadas pelo zika vírus (Foto: Stevens Rehen)
Em vermelho, células-tronco neurais infectadas pelo zika vírus (Foto: Stevens Rehen)

No 6º dia após a infecção, quando a diferença de crescimento entre os dois grupos celulares já havia atingido a taxa de 50%, enquanto as evidências proteicas nas células saudáveis já denunciavam uma diferenciação em neurônio em desenvolvimento, as proteínas nas células infectadas revelavam o início de um processo radicalmente diverso: foi detectada a presença de caspase-3 ativa, o que indica que a célula já tinha entrado em apoptose, o “suicídio programado” das células. A partir daí, é apenas uma questão de tempo; esta célula já está fadada a finalizar drasticamente seu ciclo, antes mesmo de ter concluído sequer um terço dele. “Em experimentos in vitro, cerca de 21 dias podem ser necessários para obter um neurônio jovem funcional. Mas, neste caso, mostramos que a maioria das células progenitoras infectadas pelo Zika não dura nem 12 dias. É um processo de morte rápido.”

O estudo foi desenvolvido numa parceria entre UFRJ e o Instituto Evandro Chagas, sendo rapidamente divulgado na rede, dada a importância dos resultados para o cenário atual. Uma vez conhecendo a ação do vírus, a esperança é que estas descobertas sirvam de base no desenvolvimento de medicamentos que, se não puderem eliminar de todo os efeitos da infecção, possam, no mínimo, torna-los menos danosos ao sistema nervoso.

Fontes: agencia.fapesp/ revistagalileu    
  Imagens: Reprodução/ revistagalileu / uol.com/