O bullying levado ao extremo: quando a “loucura” é usada como forma de exclusão social

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Quando falamos de loucura, um termo academicamente INCORRETO que se refere amplamente a uma gama de distúrbios mentais, uma das máximas utilizadas é que, diferentemente do que ocorre em outras patologias, o portador desta não se reconhece como tal. E quem o faz? Isso fica claro na definição do próprio termo. Em suma, descreve-se loucura como uma condição da mente humana que se manifesta através de pensamentos e ações inadequadas socialmente. Assim, quem reconhece um “louco” são as pessoas que convivem com ele.

O que você pensaria se visse alguém correndo nu pela rua, por exemplo? Da mesma forma, quando convivemos com alguém que diz coisas desconexas, ou demonstra emoções exageradas ou inapropriadas à situação vivida, logo deduzimos tratar-se de algum distúrbio. Esse reconhecimento social não somente é legítimo, como conveniente, a partir do momento que se dá com o objetivo de levar o indivíduo a procurar ajuda e aliviar seu sofrimento, algo que por si só, ele dificilmente faria. Mas quando essa “conveniência” se distorce, e passa a ter seu foco unicamente na conservação de um suposto padrão social, e não no bem-estar alheio, a coisa pode chegar a níveis absurdos, esses sim, apropriadamente chamados de loucura.

Se você ainda não compreendeu do que estamos falando, preste atenção nas frases a seguir: “gênio independente”; “não obedecia ao pai”; “separou-se do marido”; “escrevia livros”; “trabalhava muito”; “desobedeceu ao patrão”; “reclamava do salário”.  Agora, acredite se quiser: estes e alguns outros não mencionados por questão de espaço são os “motivos” constantes nos prontuários de pacientes que viveram no começo do século XX em nosso país, os quais se demonstraram suficientes para que a sociedade da época os classificasse como “loucos”, rendendo-lhes toda uma existência isolada num sanatório. Todos eles com uma característica, ou melhor, um GÊNERO comum: mulheres que não aceitavam o roteiro que lhes era imposto, a saber, casar e ter filhos.

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O prejuízo destas mulheres foi de uma vida. Mas para nós, ele é incalculável. Em regra, tratava-se de mulheres de agudo intelecto, que eram julgadas como loucas por seus parentes (em geral, homens) não por terem uma mente insana, mas sim à frente de seu tempo.  Mulheres que ousavam continuar estudando, ousavam não se preocupar com prendas domésticas, ousavam sair de um relacionamento insólito, ousavam participar ativamente da sociedade, recusando-se a portarem-se como meras expectadoras de um mundo no qual eram obrigadas a viver sem dar qualquer opinião. E aparentemente, somente esse juízo de seus familiares já constituía fator suficiente para que se desse a internação, bem como para tirá-las de lá, o que muitas vezes, nunca acontecia.

Esse conhecimento não somente não nos faz repensar os nossos próprios conceitos do que é ou não é “normal”, de qual é a linha que separa o efetivamente “louco” do “socialmente inconveniente”, como nos leva a questionar também o próprio tratamento que se dá àqueles que são, justificadamente ou não, classificados como “insanos”. Hoje, graças à influência de nomes importantes como Franco Basaglia e Nise da Silveira (vivida no cinema por Glória Pires), fala-se em toda uma cultura antimanicomial. É lógico que ninguém pretende negar tratamento às pessoas que sofrem com algum tipo de transtorno. O que se deseja é justamente o contrário: oferecer ajuda EFETIVA, de caráter não excludente a esses indivíduos, já que a que se dava até certo tempo atrás, além de segrega-los por completo, era tão eficaz quanto uma chupeta para um bebê ou um comprimido para dor de cabeça: escondia-se o sintoma, mas não curava a doença. E o objetivo, muitas vezes valendo-se de métodos nem um pouco humanos, era tão somente o mesmo desses pais, maridos ou irmãos de outrora: eliminar O INCÔMODO causado por alguém que demonstra comportamento…. Errado? Não. Pior. Socialmente inaceitável.

Fonte: Loucurarevistaforumufrgs
  Imagens: Reprodução/sdna.gr/ santopapo