“Problemas” comportamentais lideram no ranking das causas de abandono de animais de estimação

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Naquela ocasião, quem passava por aquela rua no bairro do Brooklyn, em Nova York, deparava-se com uma cena no mínimo atípica. Não que não seja comum o abandono de animais. Eles são uma realidade no mundo inteiro. Só aqui no Brasil, a OMS já estimava, em 2013, um número próximo de 30 milhões de animais deixados à própria sorte em vias públicas, dentre eles 10 milhões de gatos e o dobro de cães. Mas o que choca na cena do gato Nostrand é a caracterização explícita do abandono. Quem ali o deixou fez questão de deixar patente que se tratava de uma rejeição ao animal, deixando a seu lado todos os seus pertences que, naquele instante, nada mais representavam que resquícios do lar de onde fora expulso.

Embora já exista uma série de artigos científicos que atestam a capacidade dos felinos de desenvolverem apego pelos seus tutores – contrariando o senso comum, de que eles apegam-se apenas à residência – vamos deixar este assunto para textos futuros. Acreditando você nisso ou não, não há como negar que, por um motivo ou outro, a experiência causou uma brusca alteração no comportamento do animal. Afinal, qualquer pessoa que lide com felinos domésticos sabe que não é natural da espécie permanecer horas parado como uma estátua miando ininterruptamente.  Ou não sabe? Será que as pessoas que adotam animais realmente sabem que tipos de comportamento esperar deles?

Parece que não. Uma pesquisa publicada pela Universidade Técnica de Lisboa atestou que a causa mais influente no abandono de animais adultos deve-se a “problemas” comportamentais.  E não somente abandono. A mesma pesquisa levantou que, só nos Estados Unidos, 224 MIL animais domésticos são submetidos à occisão em clínicas veterinárias por razões exclusivamente comportamentais. Você sabe o que é occisão? É a morte induzida desses animais. E embora não pretendamos aqui entrar nas questões éticas da eutanásia, é preciso deixar claro que não é dela que está sendo falado aqui. O termo “eutanásia” refere-se a um procedimento totalmente diverso não somente na sua execução, como na motivação: trata-se da “morte sem dor”, única e exclusivamente por misericórdia AO ANIMAL. No caso da occisão, estamos falando de um procedimento nem sempre indolor realizado única e exclusivamente para atender às exigências de um tutor que simplesmente DESISTIU de seu animal de estimação.

O mais lamentável de tudo isso é constatar que, não poucas vezes, os motivos que proporcionaram essa entrega de pontos sequer é real. Você deve ter percebido as aspas lá em cima, quando falamos de “problemas” comportamentais. Explicamos isso com uma pergunta: você sabe diferenciar um problema comportamental de fato, de um mero comportamento natural da espécie que você adotou? E mais: sendo um problema de fato ou um comportamento natural, você já parou para pensar que pode ser a forma como você maneja o animal que pode estar desencadeando esse comportamento?

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A pesquisadora Elsa Palma Teixeira, autora da pesquisa, chama a atenção para este fato corriqueiro na vida dos tutores de animais, mas que não somente é incompreendido, como sequer chama a atenção daqueles que optam por ter um animal em casa. “É importante determinar se o comportamento se trata de 1) uma resposta normal, se 2) é uma resposta normal dado o contexto mas problemática para o proprietário, 3) um comportamento anômalo ou 4) a indicação de uma alteração médica primária” (grifo nosso).

É isso mesmo! A mudança no comportamento do animal pode até ser um sinal de alguma alteração fisiológica de fato. Mas para que você possa diferenciar um problema comportamental real de um simples comportamento natural que lhe é inconveniente, você precisa ter o mínimo de conhecimento da espécie que está colocando em casa, desde o seu histórico evolutivo – a evolução daquele animal desde a espécie selvagem até a variação doméstica – e no que isso implica no comportamento desse  animal HOJE.

Falaremos sobre algumas destas situações em outras ocasiões, mas só para você ter uma ideia, imagine a seguinte situação: você adota um gato e, alguns dias depois, percebe que o volume de água no recipiente do animal permanece praticamente intocado. Aí você chega na cozinha e dá de cara com ele em cima da pia, lambendo as gotas que saem da torneira. E briga com o animal. Acha que ele está fazendo de propósito só para te irritar (acredite, tem gente que pensa assim MESMO), quando uma pequena pesquisa já te explicaria o que está acontecendo. O fato é que gatos domésticos ainda são evolutivamente muito parecidos com os gatos selvagens, que na natureza bebem água corrente, geralmente em riachos e córregos. Para estes animais, ainda é estranha a ideia de beber água parada.  Muitos gatos – muitos MESMO – chegam, inclusive, a desenvolver doenças renais graves por conta dessa característica. Como se resolve isso? Investindo em ração úmida e comprando (ou fazendo) uma pequena fonte de água corrente para o seu animal, algo relativamente simples que traz resultados imediatos.

"Nostrand, abandonado com seus objetos em rua de Nova York, onde miou por horas até ser enxotado por um gari. Felizmente, foi resgatado, castrado e doado."
“Nostrand, abandonado com seus objetos em rua de Nova York, onde miou por horas até ser enxotado por um gari. Felizmente, foi resgatado, castrado e doado.”

Por outro lado, muitos problemas comportamentais de fato NÃO são percebidos pelos tutores, simplesmente porque eles acham “bonitinho” este ou aquele comportamento peculiar de seus animais. Já falamos um pouco sobre isso no nosso texto sobre transtornos psicológicos em animais (você pode ler o texto aqui). Um cão correndo atrás do rabo, por exemplo, pode ser visto com graça, mas isso pode ser, sim, uma estereotipia – comportamento repetitivo sem finalidade prática – desenvolvida por uma exposição constante a estímulos estressantes, como a limitação excessiva de espaço, por exemplo.

O que precisamos entender é que 1) animais não são produtos e 2) animais não são PESSOAS. Você pode sim, tratar o seu animal como se trata um filho (isso é inclusive, saudável para o animal; falaremos disso em outra oportunidade). Mas você precisa ter em mente que ele é um filho de OUTRA espécie, com suas próprias características, tanto específicas – gerais da espécie a qual pertence, que você conhece ESTUDANDO – , quanto individuais – que o diferenciam como indivíduo dentro de sua espécie, as quais você conhece com a CONVIVÊNCIA. Como seres inteligentes que somos, cabe a nós entendermos essas questões e ajudarmos esses animais nesse processo contínuo de adaptação ao qual são submetidos graças às nossas próprias iniciativas de domesticação e alterações ambientais que mudam drasticamente a vida desses animais. Afinal, você não poderá ligar para o serviço de atendimento ao consumidor quando ele não “funcionar” como você espera. E na verdade, não precisa, desde que você compreenda que mesmo não falando nossa língua, os animais que convivem conosco estão sempre tentando nos dizer alguma coisa.

Fontes: repository / anda  / catclub
Dissertação: DESVIOS COMPORTAMENTAIS NAS ESPÉCIES CANINA E FELINA..
Imagens: Reprodução/ animale / culturamix / mundodosanimais