Este é um tipo de texto que todo aspirante a cientista deveria ler: por que a ciência, às vezes, parece tão controversa?

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Os amantes da Ciência podem ficar confusos com a natureza aparentemente contraditória das notícias divulgadas, não poucas vezes, nos mesmos periódicos. E é essa suposta falta de linearidade na construção do conhecimento que leva muitos a questionarem a credibilidade das revistas e sites de divulgação científica ou até mesmo – pasme – da própria Ciência. Os que assim o fazem se esquecem de dois atributos importantes. Primeiro, que os divulgadores científicos são exatamente, e apenas, isso: divulgadores. Não são eles que financiam ou encabeçam as pesquisas. E segundo, e não menos importante: a ciência nunca prometeu ser linear.

Sonia Lopes, uma importante bióloga brasileira, ao falar sobre o conceito de teoria, faz as seguintes considerações: “Se uma hipótese for confirmada por grande número de experimentações, então ela pode se tornar teoria, embora nunca seja considerada verdade absoluta (…) Uma teoria pode ser mudada frente a novas descobertas” Isso aconteceu, por exemplo, na substituição da Teoria da Gravitação Universal de Newton pela de Einstein. Agora, pense: se mesmo uma teoria que já foi testada e comprovada por diversos cientistas pode ser revista e corrigida, deveríamos nos espantar que o mesmo ocorra com as centenas de estudos aleatórios realizados diariamente? Até porque, se pensarmos que uma nova teoria só é consolidada após diferentes pesquisas atestarem o mesmo fato, é natural então supormos que, até que isso aconteça, teremos de lidar com diversas pesquisas com resultados diferentes.

Hoje mesmo quase ninguém mais discute que um ser vivo só pode provir de outro especificamente idêntico. Mas nem sempre foi assim. Até que a biogênese fosse “definitivamente” aceita, a corrente de pensamento entre os cientistas “foi e voltou” mais de uma vez. Ora porque os resultados dos estudos até então realizados tornaram-se obsoletos frente às novas descobertas – os experimentos de Redi, que atestaram a biogênese, não explicavam o surgimento de microrganismos, descobertos posteriormente –, ora porque experimentos aparentemente similares conduziram a resultados diferentes. Neste caso, Spalanzinni parecia ter, mais uma vez, comprovado a biogênese ao observar a inexistência de microrganismos algum tempo após o resfriamento da solução previamente aquecida. Mas Needham, que havia feito experimento similar anteriormente com um resultado oposto, alegou que o cientista teria aquecido por tempo demais a solução, “matando” uma suposta “força vital” que originaria os microrganismos.

Por mais fraco que hoje nos pareça este argumento, havia uma tendência geral a favor da abiogênese. E foi nesse cenário de polêmica que Pasteur entrou em seu laboratório para o experimento que encerraria a discussão. Enquanto Spalanzinni e Needham digladiavam sobre a influência do fator temperatura, Pasteur voltou-se para outro aspecto. As experiências de Needham e Spalanzinni tinham sido semelhantes, com exceção de um detalhe: enquanto Spalanzinni tinha fechado hermeticamente o recipiente da solução, Needham o fizera com uma rolha. E você sabe: vinhos são tampados desta mesma forma porque a rolha impede a saída do líquido ao mesmo tempo em que permite a passagem de ar. Ao provar que era justamente este o elemento que fazia a diferença no aparecimento ou não de microrganismos nas soluções, Pasteur mostrou que Needham e Spalanzzini estiveram debatendo o tempo sobre a variável errada. Foi somente aí, após idas e vindas, que a biogênese foi finalmente aceita como teoria.

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Embora estes eventos sejam bem conhecidos de qualquer estudante iniciante de Biologia, os princípios expostos nas entrelinhas nem sempre ficam claros para a maioria. A aparente controvérsia do cenário científico atual não passa de uma repetição histórica. Os eventos citados aqui apenas mostram que a Ciência, como todo produto humano, pode e certamente será afetado pela parcialidade. Mas os fenômenos não o serão, afinal, a gravidade não deixou de influenciar os corpos só porque não conhecíamos ou negávamos a sua existência.

Os fenômenos são, sim, relativos. Eles podem variar de acordo com diversos fatores. Nem sempre os resultados diferentes decorrem de parcialidade do cientista, mas sim, do mero desconhecimento de um ou outro fator que interfere no resultado final. O importante é saber que, seja por um motivo ou por outro, cada novo resultado é a base para novos questionamentos e novos estudos que contribuirão para a construção do conhecimento pleno deste, ou daquele assunto. Com isso, a Ciência apenas nos mostra que ela mesma não se considera “a dona da verdade”, mas antes, permite-se ser revisada e ter seus conceitos repensados. Afinal, nem mesmo a matéria bruta é totalmente estática. E só quem não pensa é que é incapaz de mudar de ideia.

Livro: Bio, Sonia Lopes e Sergio Rosso, volume 1.
Imagens: Reprodução/ saberciencia/