Seria o Homo sapiens a espécie “mais evoluída”? Conheça os perigos por trás dessa “teoria”

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“Os organismos que podem ganhar novas funções mais depressa são mais variáveis. Como resultado, ganham vantagens sobre outras criaturas. “ Al-Tusi, 1201 – 1274.

Aqueles que se empenham na luta pela pelo despertar de uma nova consciência sobre o direito animal frequentemente deparam-se com aquela parcela da humanidade que se opõe diretamente a qualquer mudança a esse respeito. O mais irônico é que estas mesmas mentes que retardam nossa evolução histórica não poucas vezes lançam mão da própria evolução para fazê-lo. Para estas, o Homo sapiens, como ser “mais evoluído”, encontra-se numa posição de livre direito sobre as demais espécies. O que esta linha de pensamento parece ignorar é que temos bagagem mais que suficiente para perceber o quanto esta ideia não somente é ultrapassada, como costuma ter resultados fatais quando aceita e posta em prática.

O nascimento de uma teoria científica bem pode ser comparado ao desenvolvimento embrionário. A aceitação oficial de uma ideia não passa, na verdade, da consolidação de um processo que, muitas vezes, iniciou há séculos atrás. É o que acontece, por exemplo, com a Teoria da Evolução. Muito antes que Darwin sequer viesse ao mundo, o persa Al-Tusi já discorria sobre uma possível relação evolutiva entre as espécies. Mas, como tudo que engatinha, esta versão primitiva ainda apresentava alguns aspectos questionáveis. Um deles refere-se a uma suposta hierarquia entre as espécies. Para Al-Tusi, o grau evolutivo media-se pela proximidade com a consciência humana.  Ou seja, o homem era quase um padrão para a  evolução, o degrau mais alto de uma suposta escada evolutiva.

De fato, o estado de consciência efetiva, que tem como consequência última a capacidade de questionar e transformar a realidade ao invés de apenas viver nela, é um privilégio de nossa espécie, até que se prove o contrário. O problema é quando este privilégio é deturpado a fim de estabelecer uma relação de poder. Ao navegar pela história, podemos perceber as atrocidades que tiveram lugar quando o homem se permitiu enveredar por esse caminho. No livro “O Menino do Pijama Ilustrado”, por exemplo, quando o jovem Bruno pergunta ao pai quem eram aquelas pessoas tristes que ele podia ver de seu quarto, a resposta dada transmite bem a ideia vigente no mundo da Segunda Guerra: “Eles não são pessoas, Bruno”.

Da mesma forma, um dos sustentáculos da escravatura no Brasil-Colônia era a ideia apregoada pela Igreja de que os negros “não possuíam alma”. A aceitação dessa ideologia era suficiente para calar qualquer consciência que porventura se incomodasse com o tratamento desumano dado aos escravos. Agora, note: em ambos os casos citados, a relação de poder ilimitado se estabeleceu no momento em que aceitou-se a ideia de que uma raça pode ser superior a outra, e no caso dos escravos, essa questão da consciência como fator de supremacia é muito nítida, já que  “alma”, em seu sentido etimológico, diz respeito ao âmago do ser humano, ao cerne dos pensamentos e emoções.

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Se por um lado, hoje já está bem estabelecido o absurdo dessas teorias, por outro ainda permanecemos estagnados. Ninguém minimamente inteligente nega a humanidade de outro apenas por este ser de outra etnia. Mas essa “humanidade” AINDA está sendo posta como padrão, como se ela fosse o suprassumo da evolução. Convém lembrar que analfabetismo científico não diz respeito apenas a não conhecer os termos da ciência. Implica também em usá-los incorretamente. “Evolução”, em ciência, nada tem a ver com “superioridade”, mas sim com “mudanças adaptativas”. Para Darwin, não existe um ser “mais evoluído” que outro, mas sim um ser que melhor se adapta a SUA realidade. E na árvore evolutiva de Darwin, todas estas realidades se conectam e exercem uma relação de interdependência na manutenção de um todo. Ou seja, se completam.

É certo que ninguém pretende questionar a importância que os pensadores do passado exerceram na construção do que sabemos hoje. Mas também é inquestionável que muitos desses pensadores se revirariam em suas tumbas se soubessem que ao invés de efetivamente evoluirmos, escolhemos permanecer exatamente onde eles pararam. E enquanto esse impasse ideológico não se resolve, os seres de outras espécies que dividem o espaço conosco continuam esperando pela absolvição do maior crime que cometeram: não terem nascido humanos, sendo condenados à toda uma vida de serviços forçados, tendo seus sentimentos voluntariamente ignorados.  A síntese do pensamento evolutivo é: mudança de realidade exige mudança de ação. E olhando para a condição em que nosso planeta se encontra hoje, facilmente se nota que não é apenas no pensamento que estamos preocupantemente atrasados.

Fonte: “O Livro da Ciência”, vários autores.
Imagens: Reprodução/ coxinhanerd/ sateliteespiao